
Já reparou que gorda tem tudo braço curto? Ri. É, vizinho, repara, sério. Essa que acabou de passar, olha. O que sobra em gordura, falta em comprimento. Ri. Um negócio meio desproporcional, saca? Não me desce. Acho que é isso, essas mulher assim, de tanto comer, acaba deformada. Como pode, né, chegar nesse nível? Cê não acha, não? Como que não faz nada, não malha, não fecha boca? Eu não entendo, de verdade, é muita falta de amor próprio. Cê não concorda? Hein? Uma luz começa a piscar. Tem um lado que eu tô achando bom, meu moleque tava enchendo o saco já, por causa da irmã que nasceu. Pigarreia. Sou, sim. Minha mulher é uma santa. Se bem que ela sabe, né? Quem bota a comida na mesa, quem alimenta as bocas em casa, então… Faz um gesto como se fechasse os lábios com um zíper. Também, irmão, eu preferia morrer a chegar num estágio desse, tá louco, deixar a gordura tomar conta do meu corpo inteiro, dominar que nem fosse bicho. Sabe o quê, brother? Ri orgulhoso da própria ideia. Parece que o corpo da gorda é quem tá comendo ela. Entendeu? Ri de olhos fechados. O corpo dessa aí que passou é tão enorme, tão gordo, que come ela. O corpo é que come ela! As gordura tudo comendo a cara dela. Manja? Ri. Devia chamar alguém pra ver essa luz. Esse lugar é um lixo, cê chegou agora, mas já dá pra perceber, né? Seca a testa suada com o dorso da mão, inspira. É, essas gorda que, pigarreia, além de braço curto, a voz falha, tem até a cara atarracada, pigarreia novamente, a cara comida pra dentro de tanta fome que as gordura dela têm. Ri rouco. Parece que alguém socou a cara delas pra dentro. Segue rouco. Imagina, dar um socão na cara duma gorda dessa? Já pensou, vizinho? Já pensou? Pigarreia mais profundamente e consegue limpar a voz. Deus me livre. Mentira. Caralho, velho, que coragem, e aí? Como é comer uma gorda? Engole. Não acredito que cê fez isso, irmão. Ela deixou cê comer ela ou ela te comeu primeiro? Ri alto e seca a testa. É memo? Pô, faz sentido. É, claro! Elas devem fazer tudo com a boca direito, né? De trabalhar aqueles beiço elas entendem. Ri. Mas você não foi lá e… meteu o bocão também? Aí já ia ser demais, né? Enruga a testa, não se sabe se com nojo ou para pigarrear. E o resto? O que importa mesmo. Como faz pra achar? Sorri sob a máscara. Era gordona memo? Gordona-gordona, nível quebra rodízio? Ou só aquelas que come frango à passarinho com a mão? Caralho, que coragem, meu brother. Mas então foi dahora? Não consigo nem imaginar uma boca oleosa dessas em mim, porra. Melando tudo de gordura. Aquelas bocona faminta. Arreganha a gengiva por baixo da máscara. Você é casado também? Tem filhos? Não casou com a gorda, não, né? Ri. É, claro, gente que nem a gente, né? Que investe grana no corpo, que investe tempo em si mesmo, que se preocupa com a saúde. Não dá, porra. Caralho, imagina, as mina gasta mó grana em salão, crossfit, pilates, roupa, médico, plástica, pra gente investir numa gorda que tá nem aí pra aparência, pra saúde? É isso, porra, se a gente paga um jantar pra gatinha, é esperando o retorno do investimento. Cê compra uma roupa aqui, ela fecha a boca; cê faz um agrado ali, a gostosinha malha. Elas gastam o dinheirinho delas com gosto pra fazer a unha, comprar a maquiagem, agradar a gente. Retribuir. Aí é isso, né? A minha mesmo, gastou uma nota pra se arrumar no ano novo, fiquei puto na hora, briguei e tudo. Mas depois, meu irmão, cê tinha que ver. Puta que pariu, que delícia. Queria que cê visse. Vou até te mostrar foto dela aqui na festa. Olha isso, brother. Seca a testa. As crianças ficaram em casa com a vó, é. Cê tinha que ver, irmão, os cara tudo secando ela, eu fiquei doido, queria comer ela ali mesmo, no banheiro da festa, mas me segurei. Pigarreia. É, mulher que come muito na real é esquisito. Elas são menores que a gente, né? Têm que comer menos que homem, é o natural. Tem até umas magra que são comilona, eu não curto. Sei lá, parece homem. Será que é isso, brother? Faz sentido? Que ideia absurda, né? Ri apreciando própria ideia novamente. Elas querem parecer homem. Cê tá aí? Tá me ouvindo? É, né, dá uma canseira isso. Observa enquanto o outro vira o rosto para tossir. Porra, foda. Mas tá tudo bem? O vizinho continua tossindo, mas ele não para de falar. Cê acha que faz sentido, irmão, isso que eu falei? Elas comem que nem homem, aumentam de tamanho até quase virar… É interrompido pela falta de ar sonora do amigo. Sacou o raciocínio? Tosse. Fora a quantidade de gorda lésbica. Gorda que gosta de gorda. Elas querem ser igual a gente, é inveja. Tosse. Quer ajuda? Perscruta o ambiente. E a gente não quer comer quem é que nem nós. Mulher é feita pra… Engasgou aí? Ri. Fora que assim… Franze a testa, em sinal de preocupação, mas não para de falar. Se for pra comer uma gorda, inspira, que é a mesma coisa que comer um cara, expira… Caralho, inspira, eu prefiro um cara, porra, expira. Prefiro comer um cara que uma gorda. Pigarreia e dá risada ao mesmo tempo. Tá tudo bem? Tosse. Tô brincando, tô brincando. Mas é isso aí, porra, deve ser mais fácil achar seu cu que a buceta delas. Procura aprofundar a respiração, mas está rasa. Eu também, eu também tenho medo de ser entubado, de enfiarem na minha boca aquela porra daquele tubo e… O vizinho está com ainda mais dificuldades para respirar: o tempo entre a inspiração e a expiração se encurta muito, ele tenta puxar ar pelo nariz, mas não consegue. O diafragma faz pressão contra os pulmões, oprimindo a caixa torácica. Acho que é melhor eu chamar a enfermeira, né? Espero que venha aquela gostosa.